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Amanhã vou ser feliz.

Amanhã vou tirar fotografias à minha cidade. Vou conseguir mostrá-la através dos meus olhos. Vou pegar-te na mão e vamos passear. Eu vou ser eu em férias e tu vais ser perfeito como sempre. Vou fazer as minhas coisas. Sem mais. Só coisas minhas sem importância nem magia. Coisas de todos os dias, sempre para fazer amanhã. E amanhã vou usar as minhas lentes de ver o mundo. E vou parecer feliz nas fotografias. E vou estar no sítio onde estou, completamente. Amanhã vou estar e ser livre de tudo. E vou poder pensar e sorrir e brincar e acreditar em coisas de crianças outra vez. E vou ser outra vez como a Jo do Mulherzinhas e vou ler o Ivanhoe para cima da árvore que já não existe enquanto como maçãs vermelhas e me divirto com o som das dentadas. Amanhã vai chover torrencialmente e eu não me vou importar. E vou correr até ao farol e imaginar as aventuras dos cinco entre os barcos do mar da Póvoa. Amanhã vou saber de novo o poema do António Nobre que fala dos pescadores, e vou ser capaz de ler o Lisbon Revisited com os olhos fechados. Amanhã vou acreditar que seria capaz de ser corajosa e valente se tivesse nascido há 50 anos atrás. Amanhã vou descobrir que posso escrever porque isso faz parte de mim. E vou ser capaz de fazer compras em shoppings abandonados dos anos 80. Amanhã Braga vai ser de novo a minha casa. E não há canteiros ridículos, prédios com certificado energético, bares gourmet, ou túneis gigantes que me convençam do contrario. Porque amanhã posso ir a pé à sessão das 14:30 do cinema avenida, ficar à espera dos amigos sentada nas escadas do registo civil e comprar pipocas porque vou ver uma comédia a que vou achar graça. E depois podemos passar na celeste e pedir só um copo de água. E ir à vadeca descobrir se o cantor que vinha no jornal na semana passada valerá mesmo a pena. E se valer, vamos pô-lo na lista de presentes de aniversário. Depois podemos voltar para casa, para os livros e para os cds. E podemos não pensar em mais nada. Podemos só acreditar que vamos ser adultos fabulosos e que vamos cumprir todos os sonhos e todas as promessas. E no fim de amanhã posso voltar a hoje, porque hoje já não vai ser nada. Hoje será nada mais que outro dia sem significado nem emoções. Mais um dia em que me lembrei de amanhã. E amanhã vou ser feliz.

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O sítio onde as coisas acabam

Há dias em que não apetece. Estar no sítio onde as coisas acabam, digo. Estar onde não há. Estar onde há não. No sítio onde há fim. Onde há nada. Há putrefacção, morte, doença, vírus, vacinas. Ausência futura de coisas. Ausência passada de pessoas. Viagens sem retorno. O sítio onde as coisas acabam, enfim, é um sítio onde não apetece estar. Onde não apetece ser.

A Lista

Comprar bróculos. Procurar um fato de chuva para o miúdo. Comprar botas para o outro miúdo. Telefonar ao electricista. Não esquecer a reunião das 14. Online, não presencial. Vender o carro? Levar o lixo para fora. Comprar fraldas. Pesquisar como fazer os miúdos comerem mais vegetais. Descobrir porque é que os miúdos agora não comem sopa. Preparar a recolha de dados com os participantes suecos. Lavar a roupa. E depois estender. E apanhar, e dobrar, e arrumar. E repetir. Até ao infinito. Fazer desporto. Ir à yoga. Voltar a correr. Vender a passadeira? Comprar cortinas novas. E instalar. Pensar em destinos de férias. Quando foi a última vez que fui ao cinema? Acabar de ler os 5 livros que comecei no Verão antes do fim do ano. Procurar o livro emprestado do Herberto Heldér e pô-lo já na mala. Acabar o relatório pendente do projecto 3.2 Aproveitar o tempo. Ir para a cama mais cedo. Mas também acabar de ver Arcane depois dos miúdos irem para a cama. Ter tempo para ir almoçar or jantar fora.