Para ti
"E como de costume vais passar e perguntar-me como estão os teus olhos, hoje?
Sorrirei, e como acontece com a flor que por um triz se ergue no pântano, tentarei tocar-te pela primeira vez, rendido à evidência da tua grandeza.
Se não me reconheceres no dia em que passar por ti, aperta as tuas mãos nas minhas, para que fiquem juntas.
Se vieres de corpo autêntico não ousarei tocar-te.
Não pode ser de outro modo: que o corpo permitisse o corpo.
Também agora os olhos impedem-me de avançar.
Não recordo as palavras.
Os teus olhos sinceros.
Há; nos teus olhos uma grandeza que não sei.
Quem sabe apenas uma falsidade, como tantas outras?
Não, porque os teus olhos permanecem aí, por entre o movimento, com o tempo só para eles.
Peço-te que passes outra vez - isso agrada-me - e que tragas os olhos sem regresso.
Traz também a noite, para nos debruçarmos para o interior de nós mesmos: para o lugar onde não ousaremos as palavras inúteis.
Escuto-as.
Origem sem regresso."
Rui Machado, em A ausência próxima.
"E como de costume vais passar e perguntar-me como estão os teus olhos, hoje?
Sorrirei, e como acontece com a flor que por um triz se ergue no pântano, tentarei tocar-te pela primeira vez, rendido à evidência da tua grandeza.
Se não me reconheceres no dia em que passar por ti, aperta as tuas mãos nas minhas, para que fiquem juntas.
Se vieres de corpo autêntico não ousarei tocar-te.
Não pode ser de outro modo: que o corpo permitisse o corpo.
Também agora os olhos impedem-me de avançar.
Não recordo as palavras.
Os teus olhos sinceros.
Há; nos teus olhos uma grandeza que não sei.
Quem sabe apenas uma falsidade, como tantas outras?
Não, porque os teus olhos permanecem aí, por entre o movimento, com o tempo só para eles.
Peço-te que passes outra vez - isso agrada-me - e que tragas os olhos sem regresso.
Traz também a noite, para nos debruçarmos para o interior de nós mesmos: para o lugar onde não ousaremos as palavras inúteis.
Escuto-as.
Origem sem regresso."
Rui Machado, em A ausência próxima.
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