Avançar para o conteúdo principal
Três sonetos de Deus ausente - 3

Porque Deus, se existisse, era o azul
mais azul, a infância que não acaba.
Era pai, colo, primavera, mil
vezes raiar a mesma madrugada.

E no desespero de um fim de tarde,
haveria de aspergir sobre nós
o seu olhar de infinita bondade,
o calor do gesto, o cristal da voz.

Tudo, tudo, outra vez seria novo,
eterno mesmo só por um minuto:
água de lume mais rosa do povo,

voz, viagem, Penélope, Ulisses,
som de piano, flauta, flor e fruto.
Gostava tanto que Tu existisses!


José Carlos de Vasconcelos, em Repórter do Coração

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O sítio onde as coisas acabam

Há dias em que não apetece. Estar no sítio onde as coisas acabam, digo. Estar onde não há. Estar onde há não. No sítio onde há fim. Onde há nada. Há putrefacção, morte, doença, vírus, vacinas. Ausência futura de coisas. Ausência passada de pessoas. Viagens sem retorno. O sítio onde as coisas acabam, enfim, é um sítio onde não apetece estar. Onde não apetece ser.

A Lista

Comprar bróculos. Procurar um fato de chuva para o miúdo. Comprar botas para o outro miúdo. Telefonar ao electricista. Não esquecer a reunião das 14. Online, não presencial. Vender o carro? Levar o lixo para fora. Comprar fraldas. Pesquisar como fazer os miúdos comerem mais vegetais. Descobrir porque é que os miúdos agora não comem sopa. Preparar a recolha de dados com os participantes suecos. Lavar a roupa. E depois estender. E apanhar, e dobrar, e arrumar. E repetir. Até ao infinito. Fazer desporto. Ir à yoga. Voltar a correr. Vender a passadeira? Comprar cortinas novas. E instalar. Pensar em destinos de férias. Quando foi a última vez que fui ao cinema? Acabar de ler os 5 livros que comecei no Verão antes do fim do ano. Procurar o livro emprestado do Herberto Heldér e pô-lo já na mala. Acabar o relatório pendente do projecto 3.2 Aproveitar o tempo. Ir para a cama mais cedo. Mas também acabar de ver Arcane depois dos miúdos irem para a cama. Ter tempo para ir almoçar or jantar fora.